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sábado, 17 de setembro de 1977

Silvio Delmar Holenbach (1943-1977)


Sílvio Delmar Holenbach foi um militar da Intendência do Exército Brasileiro, nascido no dia 31 de dezembro de 1943, em Cerro Largo/RS. Aos 19 anos de idade (15 de maio de 1962) ingressou na carreira militar, tendo sido promovido a cabo no ano seguinte; em 29 de novembro de 1965, à 3º sargento; e em abril de 1970, à 2º sargento. Servia no Hospital das Forças Armadas, em Brasília/DF.

A Tragédia
Segundo reportagem de Ayrton Centeno, publicada na Revista Manchete de 17/09/1977, no dia 27 de agosto de 1977 (sábado),  um grupo de adolescentes visitavam o viveiro das ariranhas, pois gostavam de ver os animais pescarem e sairem da água para se espreguiçarem na terra, imitando miados de gato. O grupo iniciou uma brincadeira perigosa, tendo Adilson Florêncio da Costa, de 13 de idade, resolvido ser o primeiro a atravessar a grade que dividia o viveiro ao meio, se equilibrando acrobaticamente e se exibindo para os que ali estavam; os colegas, então, começaram a balançar a grade, tendo Adilson perdido o equilíbrio e caído dentro do fosso. Imediatamente, uma ariranha o abocanhou e derrubou dentro d'agua; outros cinco animais se precipitaram sobre o menino, atacando-o furiosamente. As pessoas que estavam à beira do fosso começaram a gritar em pânico, pedindo socorro.

O Sargento Silvio Delmar Holenbach, que estava passeando de carro pelo zoológico, para comemorar sua aprovação no vestibular de Agronomia da Universidade de Brasília, e já deixava o local em companhia de sua mulher e dos quatro filhos menores, atraído pelos gritos da pequena multidão, parou perto do viveiro, quebrou um galho de árvore e entrou no fosso, enfrentando os animais, que largaram o menino.

Holenbach pegou Adilson, machucado, e se posicionou na ilhazinha do fosso. Conseguiu entregar a vítima nos braços de populares que ficaram na amurada de proteção. Ao tentar saltar da ilha, para se pendurar na grade, uma ariranha segurou-o com uma dentada na perna, trazendo-o de volta para dentro d'agua. O sargento lutou mais de cinco minutos com os bichos - que imaginavam defender seus filhotes de uma intrusão humana - sem que ninguem que a tudo aquilo assistia, lhe prestasse socorro.

Quando o técnico agrícola Joel da Mota Oliveira, que estava de plantão e respondia pela direção do zoo de Brasilia, chegou para afastar os animais, Holenbach já havia recebido mais de cem mordidas nas pernas, nos braços e no rosto. Joel lançou um sarrafo, onde o sargento pode se segurar e sair do fosso, mas já havia perdido tanto sangue que estava praticamente agonizante. Ainda teve forças para perguntar se o menino estava salvo, dar o endereço do Hospital das Forças Armadas e manifestar profunda decepção: "Não posso compreender como tanta gente ficou assistindo à minha luta desesperada sem prestar socorro".


No Hospital das Forças Armadas, o sargento Holenbach foi atendido pelo médico José Carlos Daher, então chefe do serviço de cirurgia plástica do HFA, e submetido a uma terapia intensiva à base de antibióticos, mas não resistiu, morrendo no dia 30 de agosto de 1977 (terça-feira), aos 33 anos de idade, com o corpo corroído por uma infecção generalizada, como herói por ato de bravura em tempo de paz.

Logo após o fato, a viúva do sargento, Eni Terezinha Martins Holenbach, então com 33 anos, voltou para o sul com os quatro filhos: Silvio Junior (6), Paulo Henrique (5), Barbara Cristine (3) e Debora Cristina (1).

Homenagens Póstumas
Dezessete anos após ser inaugurada, Brasília teve seu primeiro grande herói: a bravura do Sargento Silvio Delmar Holenbach comoveu a cidade e o mundo.

O então Secretário de Imprensa da Presidência da República, Coronel Toledo Camargo, disse: "Estamos todos profundamente emocionados com o heroismo do sargento Silvio. Sinto-me na obrigação de fazer este elogio para enaltecer um gesto de bravura tão raro em nossos dias." O diretor de promoções do Exército, General Murilo Rodrigues de Souza, levou seu pesar e sua solidariedade à família do militar. O presidente Ernesto Geisel enviou mensagem de pêsames à viúva, exaltando "o ato de abnegação e sacrifício do marido". O General Sylvio Frota prometeu conferir ao sargento, a título póstumo, a Medalha do Pacificador, distinção reservada a militares e civis que praticaram ato de bravura em benefício de terceiros com risco da própria vida. Jimmy Carter, então presidente dos Estados Unidos, enviou telegrama de pêsames à família.

A viúva Eni Teresinha disse que seu marido sempre fora um homem de extraordinária coragem física, disposto à abnegação e à solidariedade. Em Cerro Largo/RS, na região das Missões, onde nasceu, ele saltara no Rio Ijuí para salvar um jovem que se afogava, e em Porto Alegre/RS, enfrentara dois assaltantes armados, conseguindo prender um deles.

O corpo de Holenbach foi velado por oficiais e sargentos de sua unidade, e trasladado para Porto Alegre, onde foi recebido pelo General Luiz Gonzaga Pereira da Cunha, então Comandante da 6ª Divisão de Exército, e sepultado com honras militares.

Em 6 de setembro de 1977, atraves da Portaria Ministerial nº 1.413, foi concedida Post Mortem, a Medalha do Pacificador com Palma ao 2° Sargento Holenbach, como homenagem especial por haver se distinguido no cumprimento do dever, praticando atos pessoais de abnegação e bravura, em consequência dos quais veio a falecer.

O presidente Ernesto Geisel, por meio da Lei nº 6.455, de 24 de outubro de 1977, autorizou a promoção do então 2° Sargento Sílvio Delmar Holenbach ao posto de 2° Tenente, pelo princípio de bravura, a contar da data de seu falecimento. Atraves da Lei nº 6.499, de 7 de dezembro de 1977, regulamentada pelo Decreto nº 81.569, de 18 de abril de 1978, foi assegurada a gratuidade de ensino nos níveis de 1º e 2º graus, e superior, aos filhos de Holenbach.

No auditório do Hospital das Forças Armadas em Brasília, há uma homenagem ao Sargento Silvio Holenbach. Em Cerro Largo/RS, seu nome foi dado a uma escola estadual de ensino fundamental e médio, localizada no bairro Brasília.

No dia 22 de novembro de 1977, foi publicada a lei nº 2.821, que dá o nome de Sargento Sílvio Holenbach ao Jardim Zoológico de Belo Horizonte.

Em 15 de novembro de 1981, Mário Andreazza, então Ministro do Interior do Governo João Figueiredo, inaugurou o Conjunto Habitacional Silvio Holenbach, com 416 unidades, na Vila Nova Restinga, em Porto Alegre/RS.

Apesar da Fundação Polo Ecológico de Brasilia não fazer qualquer referência a respeito, através da lei nº 1009, de 11 de janeiro de 1996, o nome do zoológico foi alterado para "Jardim Zoológico de Brasília Sargento Silvio Delmar Holenbach", determinando a inauguração de um busto do Sargento Holenbach, na parte interior do zoo, em sua entrada principal, devendo constar uma placa em bronze com os seguintes dizeres: “Em 27 de agosto de 1977, o Sargento Sílvio Delmar Holenbach, do Exército Brasileiro, morreu ao salvar a vida do menino Adilson Florêncio da Costa neste Jardim Zoológico, no fosso das ariranhas”.


Os seguintes logradouros levam seu nome:

PE/Recife
Imbiribeira
Rua Sargento Sílvio Delmar Hollembach 
PR/Cascavel
Região do Lago 
Travessa Sargento Holembach 
RJ/Belford Roxo
São Vicente 
Rua Sargento Delmar Holembach 
RJ/Campos dos Goytacazes
Parque Calabouço 
Rua Sargento Sílvio Holembach 
RJ/Rio de Janeiro
Barros Filho 
Rua Sargento Sílvio Hollemback 
RS/Bagé
Floresta
Rua Sargento Sílvio Hollemback 
RS/Porto Alegre
Rubem Berta 
Rua Sargento Sílvio Delmar Hollenbach 
RS/Santo Ângelo
Vera Cruz 
Rua Sargento Sílvio Delmar Holembach 
SC/Blumenau
Água Verde 
Rua Tenente Sílvio Delmar Hollenbach 
SP/Caçapava
Vila Nossa Senhora das Graças 
Rua Tenente Sílvio Delmar Holembach 
SP/Campinas
Jardim Novo Campos Elíseos 
Rua Sargento Sílvio Hollembach 
SP/Ribeirão Preto
Nova Ribeirânia 
Rua Sargento Sílvio Delmar Hollenbach 
SP/São Paulo
Jardim das Palmas 
Rua Sílvio Delmar Hollenbach 

A história de Silvio Holenbach ficou também registrada no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Em poucas linhas, tanto o juiz quanto o promotor que atuaram no processo, destacaram o heroísmo de Holenbach.

O inquérito que apurou as causas da tragédias tramitou por 10 anos. A polícia ouviu funcionários do zoológico, e o pai de Adilson Florêncio da Costa, o menino que o sargento Holenbach salvou da morte. Em duas oportunidades, a polícia requisitou que os pais levassem o garoto para ser ouvido. Nas duas, a família pediu para o delegado dispensá-lo do depoimento pois estava muito traumatizado.

Em 1989, o promotor de Justiça Carlos Gomes pediu o arquivamento do caso. "Cuida o presente inquérito da elucidação da morte heróica do sargento Silvio Delmar Holenbach" (...) "Concluído o inquérito verifica-se a não ocorrência de circunstâncias dolosa ou culposa por parte de terceiros."

O desembargador Otávio Augusto Barbosa, então juiz da 4ª Vara Criminal de Brasília, sentenciou o caso. "A morte do sargento Silvio Delmar Holenbach, decorrente de um ato de bravura e heroísmo foi lamentada por toda Brasília. Arquive-se os autos."

Após a Tragédia
A família Holenbach nunca assimilou a perda, mas foi em frente, inspirada na própria bravura do sargento. Todos os filhos se projetaram.

Silvio Delmar Holenbach Junior e Paulo Henrique Holenbach concluíram os ensinos fundamental e médio (1º e 2º graus) no ano de 1987, no Colégio Militar de Porto Alegre.

Silvio Holenbach Junior concluiu, em dezembro de 1997, o curso de medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Uma coincidência e uma deferência trouxeram Silvio Junior de volta a Brasília. “Meu irmão estava no quartel e encontrou o General de Brigada Médico Paulo Augusto Menezes da Silva. Ao ver o sobrenome dele, o general perguntou: ‘Você é filho do sargento Holenbach?’ Ele respondeu que sim e contou sobre minha formação. Logo, o general informou que viria dirigir o HFA no ano seguinte e que me queria na equipe”, conta o médico. Vinte anos depois da tragédia, Silvio voltava ao Hospital das Forças Armadas.

Sílvio Holenbach Junior acredita que o pai sempre velou e intercedeu pelos filhos, e coincidências embalam a crença nessa intercessão. Uma das mais comoventes: um dos médicos que atendeu o sargento mutilado, José Carlos Daher, convidou Sílvio Júnior, no ano de 2009, para ser diretor do Hospital Daher. Detalhe: os dois não se conheciam antes da nomeação.

Paulo Henrique Holenbach é analista de sistemas no Banco Regional de Brasília. As irmãs Bárbara Cristine Holenbach e Débora Cristina Holenbach Grivot se graduaram em ciências jurídicas e sociais; Bárbara é servidora do Ministério Público de Porto Alegre; Debora é doutora e mestre, e dá aulas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O Silêncio de Adilson
Só quem silenciou foi Adilson Florêncio da Costa, o menino que Holenbach salvou das ariranhas. Vizinho de Sílvio Júnior em Brasília, trabalha no Postalis, o Instituto de Seguridade Social dos Correios. Procurado, ele mandou dizer via secretária que não fala sobre o assunto. Nunca falou. Nem mesmo um obrigado.

Crônica

HERÓI. MORTO. NÓS.
[Crônica publicada no Jornal Folha de São Paulo em 1º de setembro de 1977]

Lourenço Diaféria

"Não me venham com besteiras de dizer que herói não existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir o gesto desse sargento Sílvio, que pulou no poço das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado pelos bichos.

O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra.

Que nome devo dar a esse homem?

Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor.

Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o herói -como o santo- é aquele que vive sua vida até as últimas consequências.

O herói redime a humanidade à deriva.

Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capitão, major.

Está morto.

Um belíssimo sargento morto.

E todavia.

Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias.

O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel -onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer- oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar.

O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos.

No instante em que o sargento -apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher- salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos.

Esse sargento não é do grupo do cambalacho.

Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais.

É apenas um homem que -como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem- não podia permanecer insensível diante de uma criança sem defesa.

O povo prefere esses heróis: de carne e sangue.

Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais.

É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão. Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que deles cobramos.

Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas -como você tirou o menino de catorze anos- mas queríamos que alguém fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar.

Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos.

E este é o nosso grande remorso:
o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis -tarde demais."

Lourenço Diaféria foi preso pelo regime militar devido ao conteúdo da crônica, considerada ofensiva às Forças Armadas. 


Referências
- Folha de São Paulo - Crônica Heroi. Morto. Nós.
- Zero Hora - Familia de Heroi aguarda um obrigado há 33 anos
- Correio Brasiliense - Meu Pai é um Heroi

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